segunda-feira, 31 de agosto de 2009






EMBRIAGADOS



“Preciso me livrar da sobriedade, afinal você gosta de me ouvir dizer 'eu te amo', embora não acredite.Você gosta de Chico Buarque quando eu canto, e até acredita que ele seja um grande cantor. Você gosta de mim e quer que eu te leve comigo, ainda que por uma noite apenas, mesmo sabendo que eu vou terminar, me arrumar e dizer ‘vamos embora’.Você aceita as mentiras, você me quer de qualquer jeito e bêbado.”


Ela me aceitou com salário mínimo, sem a safra dos bons vinhos. Ela me aceitou fingindo que era chique comer no chão. Ela me aceitou aceso e com a luz apagada.
Deitou-se sobre o estrado da cama e esperou a entrega, esperou que as minhas mentiras ganhassem vida.
Ela quis tudo de outro jeito nos seus sonhos infantis e aceitou a casa sem móveis, as minhas manias de homem machista, aceitou sobrepor a minha vida à sua.
Ela me aceitou de cabeça baixa, bebendo com os mendigos da praça. Ela me aceitou como quem aceita uns trocados.
Ela fez planos comigo mesmo quando eu não tinha paradeiro e tudo em mim era mal feito, da barba à ponta dos dedos.
Ela me aceitou arrependido por trocá-la por uma paixão que não estava nos meus planos.
Ela me aceitou pela metade. Adormecia no sofá a minha espera, enquanto eu procurava por outro lugar.
Ela me aceitou de qualquer jeito e seria sensato dizer sim.
Ela dizia que éramos uma família, mesmo quando eu a deixava sozinha aos domingos.
Ela me aceitou desde quando tudo dizia que eu seria nada. Ela me aceitou sem piscina, me aceitou conjugado, sem viagens no fim de semana, me aceitou com goteira e vazamento em todos os cômodos e agradeceu.
Mas eu não quis aceitá-la me querendo sem exigência, não seria justo dar-me em sobras a uma mulher como ela.
Eu fui embora para que ela não confundisse isso com felicidade.
Rosemeri Sirnes

quinta-feira, 20 de agosto de 2009


Quando não sei dizer
"Disseram que vinha o vento, a chuva e você, mas não disseram que era tudo passageiro."
Menino bonito,

Lembro da primeira vez que ouvi Celso Fonseca, ao seu lado, em cima da cama, e eu parecia tão frágil que você faria o que quisesse comigo se a sua vontade fosse a mesma que a minha. Ah meu bem, nosso primeiro encontro foi um instante tão bonito que eu devoraria a tela por completo só para ter de volta aquela confusão em que me meti.
De lá pra cá...você sabe bem dessa minha trajetória trôpega. Como você me fez bem...me fez conhecer Celso Fonseca e uma outra forma.
Perdoe-me não por um fato isolado - até porque se é orgulhosa em demasia para referir-se a um determinado - perdoe-me por tudo que o incomoda e você não diz. A minha alma é boa, a intenção nem sempre é das melhores, mas o amor, este é sempre maior.
Estou no caminho da grandeza. Deixo as pequenezas de lado, como faço quando escolho o feijão.
Sempre essa sinfonia e pela 2ª vez essa semana. Penso em ti e sou modesta.
Estou no caminho. No caminho da elevação ou da evolução, sei lá.
Amigo, tenho desculpas antecipadas porque normalmente eu tenho que me adiantar.
Quando digo que é pra vida inteira é a parte boa de mim que está a salvo.
Estou no caminho. No caminho de ser feito pluma, de entender o sopro.
Estou no caminho certo? Estou tentando ser melhor, prometo.

Beijos com a alegria de fim de semana
Rose

terça-feira, 11 de agosto de 2009


É verdade, não tem sentido

Tenho cometido pecados. As pessoas têm me feito cometer pecados e por vezes tenho a impressão de não ser só eu. Uma população vive em mim, embora eu esteja sempre sozinha. Vive em mim: o ser, o fingir, o preconceito e a postura, a classe social, a cultura, os valores e os bons modos. Calo-me para ser bem vinda e vivo como maçã podre, de casca vistosa e miolo decadente.
O que é a loucura, senão a insistência de que está tudo bem? Senão o fato sermos uma produção em série?
Onde estamos nós? Dando conta da vida um para o outro só para saber quem é o melhor.

O que vem abaixo é tudo parte do mesmo processo, é tudo o mesmo e outra coisa.

A vida é urgente. Acione a sirene.

Cortei os cabelos não para achar-me nova diante do espelho, e assim concluir enfim alguma mudança em tempo, mas para ser despenteada ao meu jeito, só para balançar a cabeça e estar pronta. Só para estar pronta.

Interrupção...

Quando a última porta se fechar não saberei mais o que perdi.
....

A vida é urgente. Cale a minha boca.

Eu sei que as minhas linhas não terão o sentido linear que tu buscas. Eu sei que apesar do meu esforço em fazer sentido, tudo terminará com você tentando definir se é a casca ou o ovo.

Nada vai convencer além de quem assina.

Rosemeri Sirnes

terça-feira, 4 de agosto de 2009


COISA DE PELE
Arte: Peter Blake

“Sinto a falta dele. Hoje ainda mais. E sei que ele sente a minha, ainda que seja a mesma falta que o animal sente em ter o alimento entre as presas.”

Sei o que é está na pele, aquela que arranca com os dentes e abre ferida sangrando sem cessar até que contida.
Sei o que é está na pele do joelho que rala e ultrapassa as camadas e arde mesmo diante da cura.
Sei o que é está na pele quando a bolha estoura e a queimadura mostra a sua continuidade.
Sei o que é está na pele quando o corte me faz ver suas metades.
Sei o que é está na pele enquanto cura e ainda sem casca leva uma outra topada.
Sei o que é está na pele quando mesmo sem dor, ela descasca e murcha e percebo que antes não era assim.
Sei o que é está na sua pele porque das dores sei de cor.
Mas também sei o que é está na pele quando regenera.
Sei o que é está na pele quando dizem que ela está boa e todos especulam que há uma razão especial para isso.
Sei o que está na pele quando o pêlo arrepia e eu não encontro outra forma de dizer.
Sei do prazer antes da dor, quando todas as feridas e pequenas marcas são reduzidas a nada.
Rosemeri Sirnes