sábado, 24 de outubro de 2009





Um ano meio surrealista



Escuto Léo Jaime e lembro-me do vulto da gente reunida lá em casa naqueles tempos, 89 talvez, páginas amarelas e vivas de uma história que começava a fazer sentido. Nem sabia ainda do traçado, e hoje desconfio quando dizem que esse é o meu caminho, ao mesmo tempo vejo que é uma porta sem saída, nem remuneração. Quem escreve pra encher barriga, definitivamente há de morrer de fome.
Tudo só pra dizer que faço um ano nessa arte sem fim de atirar palavras até acertar, ou estar em vias de. Estarei sempre começando para que não me cobrem perfeição, para que não questionem sobre o que quero dizer, para que não interrompam minhas metáforas, para que não seja assumida outra identidade.
Escrevo. Parece sempre repetitivo justificar o verbo, talvez por tudo o que já foi dito, talvez pela fraqueza exposta e pela fortaleza que se institui.
Quero me fazer entender, mas eu não quero me esforçar, quero dizer e quero que sintas o sabor, quero descer devagar pela garganta e não quero que desistas. Quero interromper a ideia do parágrafo e ainda ser compreendida e na próxima linha falar sobre as coisas cotidianas e não ter nada coerente.
Danço no meio da sala, a música alta obriga o corpo a seguir a batida. Não quero ser o vento, quero ser a folha que desgarra do galho e voa pra longe. Quero ser inesperada, quero mais um ano de vida, inspiração.
Não será digno de um ano, não será. A palavra que ponho na mesa, pra ser clara e acessível, por se esforçar em se fazer entender, se tornará cada vez mais confusa. Sigo no mesmo barco.
Chego à conclusão de que é surrealista querer fazer com que você toque cada palavra. Eu não consigo parar.

Rosemeri Sirnes

domingo, 18 de outubro de 2009





Clara e seus penduricalhos. Clara e seus balangandães. Clara e seu sorriso franco. Claridade em mim, a tua voz.

Tanto se cantou, tantas músicas se puseram de pé saudando Clara Nunes diante de sua saída em 02 de abril de 1983, sua saída precoce aos 41 anos. Não há nada que eu diga em forma de poesia, muito já foi dito de maneira tão bonita que minhas palavras receiam ser menos.

Ela continua aí, perpetuada em sua obra. Não haverá versão de “Canto das três raças” que chegue a seus pés, não haverá nem ousadia àquele canto emocionado.

Descubro Clara, antes tarde do que nunca, o LP empoeirado no fundo da estante, descubro suas pérolas, suas flores no cabelo, descubro a beleza de cada canção escolhida a dedo, suas imagens em preto e branco, suas imagens em colorido, sua ousadia em levar para o palco seus orixás e sua vestimenta, saia rodada tonteando todo o público.

Sabiá, conduz- me a sua voz ao voo mais intenso, a emoção mais indescritível. Abre uma clareira, abre-alas, abre em mim o seu sorriso, a alegria enorme dos seus olhos.

Essa é a tal guerreira, filha de Ogum com Iansã.

Rosemeri Sirnes




sábado, 10 de outubro de 2009



ESCANDALOSA DOR



“Só eu sei a medida da dor que sinto, só eu saberei o limite, so-mente. A hora exata de dizer basta. Só eu sei a medida de dor que suporto, e ainda que não acredites, eu sei dizer não.”




Chorei à vácuo, um choro silencioso, escandalosa dor.

Dores se confundem, cada qual com seu argumento a favor. Tudo o que eu queria agora era dormir, a minha eternidade deitada em lençóis de seda azul. Tudo o que eu queria agora era ser feliz pra sempre, mas é luxuoso demais sonhar.

Não sei, realmente não sei dizer se esta é maior que as outras, não quero colocá-la em pé de igualdade, nem inferiorizá-la como se a dor do mundo importasse no meu apartamento de dois quartos.

Se as minhas veias estivessem secas e eu me visse ali pálida, talvez eu temesse a morte e desejasse ter dias como esses daqui, talvez seja coisa de consumismo querer aquilo que não se tem.

Chorei a dor acumulada, das vozes que não se calam, das vidas tristes que encontram abrigo em mim, dos princípios de felicidade que não alinham, dos sorrisos de quem se contenta com pouco, da dor de me ver em cada rosto solitário da cidade.

A boca está seca, a respiração ofegante, falta ar neste vazio, falta.

Chorei como se chora de felicidade e solucei como se não houvesse escapatória. Eu escrevia e não entendia as vias que se abriam pra água escorrer. Por ter onde desaguar é que eu descanso, por encontrar como dizer é que deito e sonho mais longe ainda.


Rosemeri Sirnes