domingo, 28 de março de 2010


" Eu que não sei quase nada do mar
Descobri que não sei nada de mim"

(Ana Carolina e Jorge Vercilo)


O MAR LEVA E TRAZ


É preciso aprender com o mar. Agitado, calmo, é preciso mergulhar fundo e enxergar as belezas profundas do mar, é preciso ir além da superfície, das sujeiras todas atiradas. Entre a música tranquila das conchas e o barulho intenso do mar revolto contras pedras, corre a onda macia pela areia.

É preciso combinar, é preciso um tratado entre o silêncio e a música alta, eu desço um degrau e você sobe o meu, porque nenhum dos dois é absoluto, duas vidas divididas, dois pesos, duas medidas. Eu entro na sua, desligo a TV e leio um livro. Você entra na minha, domingo à tarde um sambinha e arriscamos um passo. A tua erudição e a minha alegria. Eu escancaro, eu sei, a gargalhada invade a casa do vizinho, porque a minha alegria não tem endereço certo .Eu quero que você se solte também, vista uma regata, uma bermuda e perca essa postura rígida de personagem vestido de terno e gravata atrás da mesa do escritório.

Parece maluquice da minha cabeça querer sentar no chão da sala com você e jogar dama, eu quero competir com você pra ver se eu te venço e te convenço a se despir. Despir-se do medo que tens em dizer a verdade, que faz tremer tua carne. Despir-se de alguma coisa que quando olho pra você me incomoda, talvez de um sorriso amarelo conveniente para as horas em que você decide fingir ser feliz. Despir-se de você porque esse não combina contigo.

É preciso aprender com o mar, ter roupas leves para mergulhar, despir-se para ser de carne e osso, porque ninguém é de lata e sem coração. É preciso aprender com o mar, desafiá-lo e tomar um "caixote". É preciso levantar, tirar a areia do corpo e submergir, ser abençoado e batizado por Iemanjá. É preciso aprender com o mar, olhar para o horizonte e enxergar toda a extensão que se pode alcançar.

É preciso aprender com o mar, fincar os pés na areia e não se deixar levar. É preciso ir além da faixa da areia, enquanto o corpo sustenta a cabeça pra fora d'água, enquanto é possível respirar.

É preciso aprender com o mar a navegar a vida.


Rosemeri Sirnes

domingo, 21 de março de 2010



PARA ESCOLHER O QUE É BOM

Foto: José A. Campos


Quando a gente escolhe o que é bom, a gente não duvida, nem desconfia. O que ele diz é exatamente o que ele diz, não é o que a gente acha que é, nem o que a gente desculpa só pra encontrar uma resposta melhor. Escolher o que é bom é pegar o que se quer, não aceitar as coisas de qualquer jeito.


-Eu estou introspectiva.

-Isso não combina com você.

-Pois é, se pudéssemos escolher tudo o que combina com a gente...


Ele tem olhos verdes que mentem o castanho dos olhos. Ele usa disfarce e diz que me ama.


Ah, mas se ele for eu vou, e se for pra perder que seja agora, antes de cantar a vitória.


O que nós tivemos foi nada, era uma dor compartilhada, éramos nós tentando desastrados juntar os cacos de histórias falidas. Eu digo, não acredite no contrário, o que nós fizemos foi ofertar nossas misérias, porque no fim daquilo tudo, era isso o que tínhamos. Nada.


As coisas que pra você parecem loucura, para ele eram pura diversão. Se eu lhe contasse tudo, certamente você me questionaria: se ele era tão bom, por que foi embora? Eu diria que ele foi bom o suficiente para me fazer feliz. Você me confrontaria e eu o defenderia dizendo que não tinha que ser, o amor não estava servido, desde o início o amor não foi posto à mesa, mas eu queria mesmo era viver, ainda que não fosse o amor, eu queria aquilo ali não importava o nome, e eu tive.


É pragmático demais dizer que está tudo bem assim sem detalhes, sem dizer que chove sem parar há quatro dias, que tenho amanhecido murcha mais que a flor que dorme entre as páginas do livro; não sei se pelo tempo nublado, não sei se por alguma razão em mim mesma que ainda não encontrei solução, não sei se porque mulher tem dessas coisas pelo menos uma vez por mês.


Ele admirava a minha postura, a minha cintura e o meu jeito solto de me dar, e ainda que fosse só pela transa e isso fosse um aperitivo antes do prato, ainda assim nós queríamos a mesma coisa.


Rosemeri Sirnes


terça-feira, 16 de março de 2010



PARALELOS

Foto: Marcos Pereira Tavares

"Como é piegas o amor, adolescente, infantil, apesar de 30 anos, apesar de maus bocados, apesar da pouca sorte. Como leva tempo o amor para crescer dentro de nós ao mesmo tempo, é criança no balanço, primeiro eu depois você . Como a minha narrativa é cansativa, embora amadurecida é uma menina de 5 anos. Quando eu penso que tudo vai parar, ainda vai mais longe."


É preciso silêncio pra gente conversar. Muito além de uma mesa de bar e um diante do outro esperando mais dos olhos.

É preciso perdão pra passar por cima de tudo e negar certas partes vivas em mim.

É preciso amor para que eu volte a sentir.

É preciso muito mais do que só nós dois.

É preciso que você se despeça para que eu ainda o admire.

É preciso respeito, uma certa dose de carinho pra dizer a verdade.

É preciso ir e voltar.

É preciso confiar, confiar mesmo, de olhos fechados.

É preciso muito mais do que galanteios, é preciso abrir a porta para receber-me com toda a bagagem.

É preciso querer com vontade, como nunca antes, é preciso suor e sangue.

É preciso começar de novo, novo.

Meu bem, é preciso passos leves para o caminho que se quer cruzar.

É preciso dançar a minha música, pesada, alta, e é preciso querer ser feliz.

É preciso abandonar todos os pudores. É preciso morder sem medo de sentir o sabor.

Deixar que eu morda os lábios. É preciso confiar no meu bem.

É preciso ficar fora de órbita. É preciso beber vinho seco.

É preciso se embebedar para rir de si mesmo, para chorar sem medo.

É preciso viver nessa bagunça, nessa loucura e fazer disso um paraíso.


Rosemeri Sirnes

sexta-feira, 5 de março de 2010




ALMA IRMÃ


"Silêncio pro bem sossegar, silêncio para o bem ficar um tempinho mais sossegado"

Passeando esbarrei em árvores e caíram coisas sobre a minha cabeça, sabe quando a amendoeira não suporta, quando distraído você passa e de repente com toda força o fruto cai? Coisa boa. De acordo com as previsões, todo azar tem por trás um tempo bom.
Caio Fernando Abreu diz aquilo que eu queria, mas não tenho jeito. Ele é uma veia em erupção. Sou eu quando me vejo assim barranco abaixo, dói, mas não dói, só um "galo" na cabeça e tem cura.
Você passeou em mim. Na verdade, você estava na calçada do meu pensamento e eu como sou uma matraca não parava um só momento de gesticular e dizer coisas do tipo “você precisa se mexer” “vamos dar uma volta, vamos nos divertir”. Você me devolvia aquela sua cara toda própria que diz sem dizer “dá um tempo, me deixa”.
Objetos imóveis, deserto quarto escuro, o som do silêncio zune, porque o silêncio faz barulho, você sabia? É gato que atravessa o quintal e revira a lata do lixo; faz ligar o ventilador, só pra ter o barulho da hélice como canção de ninar. É por isso que falo por você e por mim, é por isso que eu interrompo o marasmo de escritório no meio do expediente para dançar e cismo e insisto em te levar comigo pra gente ser feliz.

Coisas loucas me passam pela cabeça, do tipo fazer apresentações ao ar livre, correr descalça atrás de borboletas, fazer serenatas; eu só posso cantar desse modo, tenho um coração que me escapole feito balão de gás. Outro dia realizei um dos meus sonhos, nenhum grande sonho de ganhar milhões, carro do ano, casa na praia. Dancei, dançamos, ele topou, ele entrou na minha(significa que ele não teve medo de parecer ridículo) e eu tinha certeza de que com ele poderia realizar todas as minhas coisas loucas sem precisar de internação. O que vem depois é outra história de mãos que se foram sem dizer adeus.

Mas o que eu queria mesmo dizer? Talvez você sinta, talvez você não entenda, talvez eu dê sorte. Eu queria te dizer que quando me passa à vista alguma beleza, algum fruto caído do pé ainda maduro, alguma palavra dada, entregue, da alma, penso em te oferecer a parte que ainda não foi magoada, a parte que embora sem dente, sorridente quer dar-te o melhor.

P.S.: Abstrato a gente se encontra, se entende e se gosta. Abstrato a gente nem faz sentido. Abstrato a gente nem sabe os perigos, confia e deixa entrar.


Rosemeri Sirnes