domingo, 23 de maio de 2010


Demorou, mas eu me rendi à onda Twitter. Antes eu achava 140 caracteres pouco, na verdade continuo achando, mas tem sido um bom exercício de concisão. Por vezes me orgulho das frases curtas e inspiradas que componho, pena continuar tendo a impressão de estar falando numa caverna vazia, tamanho o eco.

No momento tenho dois followers, ambos afastados do exercício diário das postagens, ou seja, tenho falado para mim mesma há uma semana; ainda assim não desanimo, tenho a esperança de que alguém vai pintar por lá e molhar minhas mãos com sábias palavras. Será que é a interação que distingue os loucos dos normais? Quem são os normais? Voltando. Sigo seis pessoas e costumo caprichar no Reply, quem sabe eles não notem o meu comprometimento e pintem lá na minha barraca um dia desses.

Mas de fato, embora eu goste de audiência (e quem não gosta), tem sido um exercício leve, diário e viciante. Funciona quase como terapia, só não tem um especialista do outro lado apoiando ou criticando as minhas ideias, pelo menos por enquanto. Não despejo angústias, nessas horas eu quero voar longe. Você já reparou que a estampa do Twitter simula um céu cheio de nuvens? Nós somos os pássaros. Liberdade pra dizer “bolo de cenoura com cobertura de chocolate” ou “como dizer a minha avó que não suporto esses e-mails com anexo de PPT sem magoá-la?”, coisas bobas, mas que liberam o HD e preenchem linhas; por vezes inspiram a coisas maiores, então chega a hora de recorrer ao blog e deixar no post o link para que todos leiam o texto na íntegra.

Compartilha-se uma alegria, como a que vi outro dia (utilizo aqui um fictício):

@mauriciosouza Felicidade (link da foto dos filhos).

Diminuímos as palavras e damos um zoom no sentimento. Quando você tem 140 caracteres fica ali costurando cada palavrinha para que o acabamento seja perfeito, às vezes sem querer (e acaba acontecendo na maioria das vezes) fica bonito mesmo sem maquiagem.

@rosesirnes The Smiths me lembra a galera cantando no meu aniversário de 15 anos "Bigmonte la la la". Todo mundo se achando fluente. Bons tempos...

@rosesirnes Eu dei um tempo, parei de pensar e devorei um livro. É verdade, certas coisas nos consomem mais do que devem.

@rosesirnes Malas prontas. A mochila com peso extra de felicidade antecipa tudo o que eu preciso, além dos cremes e todas as outras futilidades.

@rosesirnes Céu azul, ventinho de beira praia e sol de bem com a pele. Dia de passeio ao ar livre.

@rosesirnes Esqueça! Se você não tem vocabulário suficiente, você vai ler o The Guardian e não vai entender pelo contexto.

@rosesirnes 140 caracteres é covardia.

Rosemeri Sirnes



quinta-feira, 13 de maio de 2010



COMO SERIA?

Foto: José D’Almeida e Maria Flores


Às vezes fico imaginando se daríamos certo. Imagino você concluindo mais uma de suas crônicas e eu lhe servindo uma xícara de café no meio da tarde. Também penso que deveríamos ter dois computadores em casa e fones de ouvido.

Às vezes fico pensando se nossos gênios suportariam o passar dos dias, se bastaria estarmos juntos para que essa coisa que há entre a gente que nunca sei dizer o que é, um pouco de céu e inferno, desaparecesse.

Às vezes fico querendo pintar uma tela. Nós dois na cozinha, você temperando a carne e eu cortando os legumes e você dizendo que é melhor fazer assim, assado.

Às vezes me vejo lhe aconselhando para que vista a calça xadrez com uma camiseta neutra, de preferência branca, pois fica muito melhor e mais bonito.(mas ao mesmo tempo, não te imagino com uma calça xadrez)

Às vezes fico querendo passar mais tempo contigo de graça, mais tempo pra assistirmos filmes juntos, comédia de preferência, do tipo pantera cor de rosa com Peter Sellers, só pra gente não precisar forçar demais, só pra ser mais simples.

Às vezes me vejo com a cabeça deitada sobre o seu colo num sofá de três lugares, você com suas mãos macias e o que menos interessa é o que está passando na TV.

Às vezes eu sonho acordada com você do meu lado.

Às vezes fico querendo que você me ame, só pra ver se você é capaz.

Às vezes sei o gosto do teu beijo quando está indo e queria que você voltasse só pra ver se é possível.


Rosemeri Sirnes

segunda-feira, 10 de maio de 2010




A gente fica querendo voltar, mas a vida segue em frente...


Não mexo no passado. Falando nisso, tem mil hiperbólicos papéis dos quais tenho que me livrar. As cartas não, essas eu guardo como testemunho do tempo. Sei que excedi a cota da semana, mas eu não paro, minha cabeça é uma constante, às vezes me cansa essa velocidade, então desloco o corpo da cabeça e vou pra rua.

Tento terminar de ler um livro, as pessoas se assustam quando digo que levo meses para ler um único título. Voo longe, sou dispersa; leio a primeira página, penso nele; leio três linhas, volto uma, penso no que eu tenho que fazer amanhã; leio dez linhas, volto três, penso no peso da idade, nos planos desfeitos, volto a página inteira; volto outro dia, perdida.

Escuto Gymnopedie nº 1. Eu queria te dizer o que sinto, eu queria escrever, queria me transplantar para essas linhas; volto três vezes, volto querendo ficar de vez, querendo tocar as nuvens que agora enxergo, eu queria sentir meus pés sobre elas mais uma vez. São tantos sons que eu não consigo distinguir cada instrumento, mas é a sinfonia que eu escolhi aleatoriamente pra voltar tantas vezes e me sentir melhor.

Eu choraria agora se estivesse sozinha. Repeat. Danço valsa com vestido longo, faço um número solitária; minha mãe sempre disse que sou melhor sozinha. Você precisa ver minha performance, eu nunca estive tão absoluta e tão apaixonada.

Ponho os pés nas nuvens. Sinto-me em casa outra vez.


Rosemeri Sirnes

quarta-feira, 5 de maio de 2010


PALAVRAS PROSAS

Imagem: Samuel Martins


A você que me desenha sem saber. A você, dono dos meus títulos e da minha voz, do meu sussurro e do meu berro.


Escrevo tão bem quando escrevo pra você; pretensão minha, eu sei, mas é como se eu soubesse dizer tudo, mesmo não sabendo metade. Parece que transpareço. Completamente desnuda, sem uma peça de letra do alfabeto, dos meus empréstimos, dos dialetos. Subo na cama e vibro "era isso o que eu queria dizer".

Não sei cozinhar, não escondo (às vezes acho que deveria me envergonhar). Levanto em minha defesa; sei sim, cozinho o básico, sei fazer feijão, meu arroz não sai papado, mas deixo os tipos de carne para o açougueiro, preparo bem com a receita nas mãos, sai tudo como explicado. Mas o que eu queria mesmo dizer? Ah! Quando escrevo pra você é como se nem precisasse de roteiro, misturo as palavras e nem preciso de tempero, sente-se o cheiro do portão, lá do quintal, e quem duvida do sabor quando o cheiro voa longe?

A minha palavra presta diante do teu olhar, é como se os meus dedos desenhassem um contorno, é como se de aprendiz eu virasse uma exímia costureira de ótimo acabamento, com pontos nos lugares certos.

Um dia as cartas que te envio viram livro, um dia resolvo encaderná-las, ao invés de enterrá-las sobre o teu e o meu olhar.

Olha pra mim, a tua lente é a minha lente de aumento. Minhas palavras todas prosas, todas piscando pra você.

Eu peco, eu sei, eu mordo a hóstia da palavra. Sou totalmente culpada, me entreguei à palavra, pulei a cerca, quis falar de outro modo e misturei-me em outras línguas para dizer sempre mais, sempre demais, demasiadas. As palavras vêm puxando outras e eu não posso controlar esse impulso, só posso obedecer, tecer, ser a própria palavra.


Rosemeri Sirnes





domingo, 2 de maio de 2010





VISÃO SOBRE O RIO DE JANEIRO


Só poderei escrever se deixarmos o carro no estacionamento do shopping e seguirmos em direção ao centro da cidade; se caminharmos toda a Rio Branco e pararmos no Centro Cultural do Banco do Brasil, se cismarmos de uma hora pra outra e subirmos Santa Teresa, e ao invés de pegarmos o ônibus, optarmos pelo bonde, só pela vista, só pela nostalgia.
Só poderei escrever se alguém na fila falar outra língua - o francês que você reconhece - com uma espanhola e ela responder em inglês e a gente se sentir na torre de Babel e questionar o fato de um estrangeiro vir ao Brasil e achar que temos que entendê-lo.
Só poderei escrever se notar que a estação de embarque, se é assim que posso chamar, está bastante descascada para o que se propõe uma atração turística.
Só poderei escrever se passar pela decepção de ficar meia hora esperando e o rapaz comunicar que o próximo bonde deve demorar uns 50 minutos sem nem garantir o tempo exato, e perceber que começa a escurecer e não veremos a cidade acesa, embora ela seja maravilhosa de toda forma. (sabe que até agora estou intrigada pensando se aqueles estrangeiros captaram a mensagem)
Só poderei escrever se pegarmos a direção zona sul por distração e eu levar um tombo na escada e você ficar entre me ajudar e morrer de rir.
Só poderei escrever se escolhermos tomar um cappuccino e comer quiche na única opção em volta e vermos pessoas mais estranhas que a gente.
Só poderei escrever se formos pela pista do meio, se passarmos pela calçada em frente àquela igreja toda adornada por dentro esperando a noiva no altar.
Só poderei escrever se eu vir aquele homem vendendo flores no meio da rua deserta e perceber que aquela cena daria uma bela foto.
Só poderei escrever se eu viver cada segundo de vida, cada partícula que eu recupero das horas dormidas.
Caminhar pela cidade é como abrir os olhos e contar a própria versão da história.


Rosemeri Sirnes