sábado, 19 de dezembro de 2009




Welcome to my place


Meu lugar, meu ninho, minha vizinhança de cadeira de praia na calçada.
Não sou da praia da Ipanema, nem do Shopping Leblon, visto o que me cai bem no corpo e no bolso, não sou de cobertura na Barra, nem de janela de vista pro mar, não faço tipo, não sento com meu notebook na praça de alimentação, não tenho babá pra pajear meu filho durante o passeio. Sou do subúrbio, da zona norte, do sacolé da casa em frente, do supermercado popular na esquina, da terça da feira, da quarta da carne, do comércio ambulante, da calçada tomada por camelôs, de crianças na rua jogando bola e caindo no meu quintal, de varal de roupa nos fundos do condomínio, do apartamento de três quartos apertados que não cabe qualquer mobília, da moçada na praça, das vizinhas contando fofocas, da pelada de domingo de manhã, da pipa que solta da janela, do padeiro que passa de bicicleta anunciando com sua buzina, do cuscuz e da cocada, do homem que conserta panelas, das testemunhas que batem à porta, da rua de quebra-molas, dos carros parados irregularmente, dos puxadinhos, da gente que frequenta loja de grife arriscando as contas do mês, tentando seguir a moda. Gente que empresta o saco de feijão, que distribui as frutas que colhe no quintal, gente que doa o pouco que possui.
Meu lugar que anseia por melhora, mas que não desfaz as belezas que tem.
Minha paisagem sem verde, nem faixa de areia, de praias abandonadas, de piscinão. Minha travessia arriscada, de bala perdida, de comércio fechado pelo tráfico, de milícia, de poder paralelo, dos corpos encontrados, dos policiais invadindo, das escolas de samba, da falta de glórias, do ensino precário, de crianças que não sabem o Português, de deputado que oferece assistência social sem pretensão, de casais que namoram sem pudor, de meninos que tocam a campainha e saem correndo, de meninas que se vestem como mulheres.
Sou de um lugar sem maquiagem, e que por não ter turistas não precisa ser. Sou de um lugar onde os gritos não ecoam, a não ser que a tragédia seja grande. Moro nos fundos, pra cá não se paga pedágio, minha casa é a sua casa e são todos bem vindos.
Às vezes eu tenho a impressão de que somos como o México é para os Estados Unidos.

Rosemeri Sirnes

domingo, 13 de dezembro de 2009


ESCONDIDA


Estou escondida para observar-te em passos lentos nunca fugindo de mim. Estou escondida para que não tê-lo medindo tempo, nem dizendo adeus. Escondida atrás da cortina, embaixo da cama, entre o sofá e a parede embaixo da janela da sala. Escondida para não mais ver teu semblante confuso quando está diante de mim. Escondida para não ter que aceitar que a marca no teu pescoço foi feita por uma amiga. Escondida para não ter você gaguejando, tropeçando em palavras, atrasando o que dirá depois; escondida para não tê-lo negando o óbvio. Estou escondida para ver do que você é capaz e para ter certeza da tua inércia. Estou escondida para saber que não vale a pena perder tempo escondida para ter evidências das coisas que sei de cor.

Quando muda, muda só de endereço, quando dispensa é pela certeza exata de que vai para a porta não mais abrir, e quando voltas é só para garantir companhia.

Estou escondida para que não me pegues desprevenida com tua mão macia e tuas frases batidas. Estou escondida para apagar minha presença de tua vista tantas vezes fatal. Estou escondida para me livrar das garras da tua vaidade, dessa disputa acirrada que a gente trava toda vez que finge que há algum amor. Estou escondida para lembrar das tuas imagens bonitas, para esquecer as marcas de navalha pelo corpo inteiro. Estou escondida para que tenhas o gosto da vitória, para retirar-me com alguma dignidade. Estou escondida para que não me ponha amargo na boca a tua saliva e digas que é doce. Estou escondida, em vias de ser capturada, pelo barulho embalagem plástica, pela madeira que geme a dor de sentir-se terceira pessoa, a quem sobrará apenas o dia de semana nunca o fim, nem satisfação. Só o fim, quando o cansaço for suficiente para não fazer caminhar.


Rosemeri Sirnes

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009





OLHOS VENDADOS

Tens os olhos vendados e ainda que a luz apague, ela sempre se acenderá no seu corpo. Essa foi a maneira que a minha mãe achou de me explicar sobre as cores que não vejo, sobre o pôr do sol que não serei capaz de tocar.
Não despertei para a vida diante dos olhos, nem sei que cor tem os olhos, como não sabia que deles variavam cores.
Da maçã, melancia, manga, só sei sabores, e delas apuro comparações de sentir, como a pele enrugada do vovô.
Tenho olhos vendados e os sentidos expostos para uma visão surrealista, embora eu nem saiba o que de olhar isso significa.
Tenho olhos vendados e ouvidos captando algum perigo.
Tenho olhos vendados e o sabor na ponta da língua, na pele dos lábios.
Tenho olhos vendados que eu mesma descortino.
Tenho olhos vendados, atalhos e uma luz que se acende em mim desde criança.


Rosemeri Sirnes