terça-feira, 27 de abril de 2010



JANELAS ABERTAS


Janelas abertas. É primavera. Janelas abertas. É outono. Janelas abertas para as estações do ano. Janelas abertas para receber o vento. Janelas abertas, meu bem, a tua janela não é única pra onde voa a poeira da rua. Você precisa respirar. Janelas abertas. O sol que queima o sofá é tão esperado por você todos os verões.

Janelas abertas. É inverno, esse que surge quando você apedreja o calor infernal, que faz você revirar a gaveta atrás daquele velho agasalho, que faz você tirar do fundo do armário o cobertor que cheira a guardado. É o inverno que você inveja dos europeus, que nem chega perto o rigor, mas que você logo difama e diz que não aguenta mais.

Janelas abertas. As flores estão querendo visitar a sua casa, posar na tua mesa. Janelas abertas. As frutas da estação estão aos montes no supermercado querendo alimentar aquele teu desejo antigo de comer pinha. Janelas abertas para reconhecer, para ver de perto, para não confundir-se pois o vidro pode estar embaçado, porque essas ondulações podem não permitir que você veja o que está do outro lado.

Janelas abertas. A chuva molhou tudo o que estava na minha mesa de cabeceira, ela molhou meu corpo inteiro e eu pedi tanto no primeiro dia do ano que ela me abençoou, não duvido.

Janelas abertas.

Outro dia eu quis entrar, mas por medo de algum perigo você as manteve trancadas. Eu sempre achei que bons prenúncios não precisassem bater.


Rosemeri Sirnes



sexta-feira, 23 de abril de 2010


DA SÉRIE: AS COISAS QUE DEIXEI PELO CAMINHO

Foto: Sérgio Silva

“Eu odeio quando as palavras fazem sentido em mim, mas isso é besteira, coisa de quem sente a música como a chuva e se emociona.

Espero que o tempo aí esteja bom, aqui o céu tá nublado; mais cedo apareceu um sol entre nuvens só pro céu sorrir e voltar a dormir.

Tudo bem por aqui, e o mesmo jeito de não querer parar em mim, vontade de dançar, de me mexer. Meu corpo só sente preguiça porque tem vontade própria."

“Eu não vou escrever hoje, porque o dia é triste e eu não tenho como escapar.”

“Às vezes eu quero um amor e às vezes eu quero sossego.”

“Quis um dia que você tivesse ficado, quis na época com tanta força, que pensei ser capaz de querer por nós dois.”

“Escrevo para ti quando as coisas não param em mim.”

"Quero nunca te fazer mal, nunca te ferir com as palavras que são meu sopro. Tua paz me interessa, teu bem, tua grandeza me interessa, teu posto maior, tua alegria e a tua conquista. Meu bem, teu bem é bem maior."

"Assina todas as letras do teu nome, preciso da sonoridade do o, es. Não coloque um ponto final, não gosto dessa coisa Caio F. Gosto da extensão, embora o fim nem sempre seja uma coisa ruim."

"E eu perguntei se você gostaria de fazer um único pedido e você desejou que as pessoas sumissem, e naquele momento nós queríamos a mesma coisa."

“Olho os pulsos com frequência, parte frágil do meu corpo, pele fina, veias aparentes, fio da minha vida. Tenho medo de mim quando ignoro as fotos no meu quarto, tenho medo de apagar as luzes e ficar comigo assim sem vontade.”

“Como é doce o teu sabor, ainda que eu não possa engolir todo o teu mel, eu posso provar do teu açúcar mais gentil.”

“Três colheres rasas, dissolva em água morna, despeje devagar para que não desande. Espere esfriar. Consumir em até três dias. Com você é tudo assim, dosado, cheio de contra-indicação e fome.”

Rosemeri Sirnes

domingo, 18 de abril de 2010


PAPO ENTRE AMIGAS

Amiga, recebi uma mensagem do dito após três semanas, ele deve ter lembrado que o número que tinha anotado não era para jogar no bicho.

Preciso ser justa. Ele merece a minha absolvição só por ter guardado aquele pedacinho de papel sem sufocá-lo no bolso da calça, nem estraçalhá-lo na máquina de lavar; atendeu bem ao pedido “só não vai perder hein!”. Guardei o número dele também, mas desde que risquei o primeiro algarismo sabia que não ligaria, ou pelo menos, não antes dele.

Tenho que confessar, eu esperava que ele perdesse alguns minutos em ligação comigo; ao invés disso, mandou uma mensagem começando com “oi moça” e terminando com “bjs”. Não pertencemos à mesma operadora, isso quer dizer que ele não usou sobras de bônus, o que pode ser bom sinal. Aliás, ele deve ter esquecido o meu nome, nas duas mensagens enviadas seguidamente, ele me chama de moça, talvez na esperança de que eu assinasse a resposta e ele registrasse na agenda.

Ponto a favor: ele respeita a língua portuguesa, escreveu “tu virás”, bonitinho né? Nem eu que sou tão cuidadosa, usaria o verbo assim tão bem aplicado, e antes que você pense o contrário, ele é carioca mesmo.

Ponto contra: com a minha negativa ao seu convite de happy hour na sexta, ele nem sugeriu outro dia, simplesmente disse “ok, quando puder me avisa”, como se o final de semana se resumisse à sexta. Posso enumerar várias possibilidades: ele esperava que eu desse a segunda mão, já que ele me fez o convite e eu recusei, ou seja, esperava que eu desse a ideia de sábado ou domingo; ele só tem a sexta para usar como desculpa para o chopinho entre amigos, enquanto a namorada o espera à noite; ou ele é distraído; ou ele estava sem opção hoje e lembrou que eu existo.

Na mensagem, ele demonstrava bastante empolgação, perceptível pela quantidade de eses empregados “rssss” “bjsss” e um “tudo bem” seguidos de três exclamações; ou então fez uso proposital para que eu tivesse essa impressão, se bem que sendo homem, não acredito que ele tenha feito as coisas calculadas tão milimetricamente, mas também não dá pra confiar. Ele me deixou três pontos de exclamação e eu devolvi um, pra não dar tanta bandeira.

Amiga, é o código Morse. Tudo tem valor, pontos, vírgulas, letras em caixa alta, tudo quer dizer alguma coisa e quem lê entende o que quer, ainda que não seja a verdade.


Rosemeri Sirnes



quarta-feira, 14 de abril de 2010




DESCULPAS DAS DORES QUE A GENTE CAUSA E NÃO SENTE

Foto: Karina Bertoncini


Sempre acho que devo pedir desculpas. Peço desculpas sempre, talvez por querer me adiantar a alguma coisa que possa doer.

A gente faz doer mesmo sem saber, mesmo sem querer. Lembro uma vez em que estava conversando com o meu irmão e ele contou que se encontrava com duas mulheres, mas não queria compromisso com nenhuma delas; eu me levantei totalmente contrariada e ele se defendia dizendo que elas sabiam disso desde o início, eu rebatia dizendo que no fundo, ainda que nós (mulheres) aceitemos certas posições em que nos colocam, a gente quer sempre ocupar um posto maior; e quando a pessoa fica em nossa vida por um período considerável, por vezes achamos que tudo é uma questão de tempo.

Embora ele tenha dito a verdade, uma hora isso iria doer. Ele fez sem querer, isentou-se de qualquer culpa; e deve ter chegado o momento em que levantou o argumento de que foi sincero desde o início.

A gente faz doer sem saber, como acontece quando batemos a porta do carro e prendemos o dedo de alguém, ficamos ali pedindo desculpas, porque já não há muito o que fazer, a não ser providenciar gelo; mas da dor, só sabe quem sente.

Tomamos o analgésico. Está descrito na bula todas as indicações e na posologia recomenda 1 comprimido a cada 12 horas, não sendo suficiente elevamos a dose e ainda assim temos dúvida sobre a eficácia da droga, enfim chegamos a conclusão de que só sabe a dor quem sente. Não adianta explicar ao médico: a dor é fina, a dor é latente, a dor é frontal. A dor, desculpa doutor, você precisa tocar, você precisa provar.

Desculpe-me por ter derramado o seu copo quando aquele valia o teu último gole de sede.

Desculpe-me por ter minado as tuas forças quando decidi ir embora. Desculpa eu ter sido ridícula, dizendo que isso era para o seu bem, quando a sua ferida ainda ardia.

Desculpe-me por eu ter dito sem pensar duas vezes, sem dar conta do quanto doía minhas palavras afiadas.

Desculpa o meu egoísmo. Por deixá-la, casa, filhos e vazio.

Desculpa a covardia de quem sai para comprar cigarros e não volta.

A gente faz doer mesmo sem saber, e como ninguém sai da vida ileso, experimentamos do mesmo veneno.

Ofereci minhas palavras e elas não lhe desceram pela garganta. Faz diferença eu dizer que não foi a minha intenção? Faz diferença eu dizer que esse silêncio é bem pior?


Rosemeri Sirnes