domingo, 31 de janeiro de 2010


Daqui até os defeitos

Arte digital: Mariah


Não verei tua casa vazia, a poeira no mármore da janela, a sujeira se acumulando debaixo do sofá, a louça do café tarde da noite na pia. Não verei teus pés sujos pisando o tapete branco da sala, não verei tua cama desfeita desde a manhã em que acordastes apressado sem ter roupa passada no armário, não verei a barra da tua calça puída, nem a gola da tua camiseta esgarçada, nem tuas unhas ruídas. Não serei eu a dizer que você precisa procurar um médico.

Da casa vizinha, não verei a porta de madeira da entrada descascada e tu dizendo todos os fins de semana que precisa pintar, não sentirei teu chuveiro jorrar água gelada porque a resistência queimou na semana passada, não verei o blindex, nem o espelho embaçado de tanto dizer eu te amo, não verei a luz da corredor queimada e você alternando a lâmpada entre dois cômodos. Não serei eu a apontar a casca de feijão no seu dente, a catar o camarão do seu prato por conta de uma crise alérgica.

Não verei a borracha da geladeira gasta e você reclamando que a água nunca gela, não verei teus papéis pendurados lembrando os compromissos marcados, não verei tua mesa de cabeceira onde repousa teu livro que é só da cabeceira, pois não aguentas ler duas páginas antes do sono sombrear tua vista. Não verei meias penduradas, cuecas jogadas, toalha molhada sobre a cama., tábua do vaso levantada.

Não verei o vulto gentil do teu corpo atrás do meu perguntando o que temos para o jantar, não sentirei tuas mãos descendo, me desviando do que tenho pra fazer, não terei tua gentileza ao apagar as luzes supondo meu corpo mais cansado que o seu.

Não verei teus maus hábitos, teus defeitos, nem tua falta de educação, tuas contas desorganizadas, atrasadas, esquecidas, perdidas. Não verei teus pares de sapato propagando ao longo da semana diante da porta. Não terei o barulho do teu mole de chaves te anunciando antes da chegada.

Você não verá a mim, nem pelos corredores, nem pelas vias que levam a teu esconderijo, você não me verá e ficará imaginando como poderia ter sido e vai envelhecer. Você não verá minhas tentativas de perda de peso, meus tratamentos de cabelo mal sucedidos, minha alegria diante de meus sobrinhos e afilhados, você não me terá como mãe dos seus filhos, você não verá como posso ser boa. Saberemos de longe um do outro e suspeitaremos de que foi melhor assim.

Rosemeri Sirnes



sábado, 23 de janeiro de 2010


Liberdade pra nós dois


Solta feito papel que escapole da mesa pra debaixo da cama, folha que cai no outono, tapete pelo chão, criança no balanço da praça, impulso que leva e trás.

Estou entre as árvores, em frente a um lago repleto de patos, crianças correm numa liberdade cercada de grades, estou sentada, repouso a cabeça no ombro do homem, ele pousa a mão nos meus cabelos como se quisesse fazer de mim o seu ninho; eu quero dizer, mas me impede receios de uma ousadia que outrora me tomava, de dizer as coisas que não param em mim; bem me disse outro dia uma amiga, sobre as coisas que assustam pássaros desavisados que não esperam pedra nos galhos, nem estilingues, nem mesmo um inimigo em sua direção. É, dizer pode parecer pedra, dizer pode não querer parar na garganta e ferir como bala de revolver, dizer pode ser tão sutil e libertador pra quem sopra a palavra e pode chegar vendaval a quem recebe.

Fecha-se a mão, o coração e a boca, melhor amar devagar, ele diz, vamos devagar, naturalmente, sem pressa, sem expectativa, tudo a mesma coisa e variamos substantivos. Quero cair, às vezes eu quero ser pólen e pétala, quero derramar, às vezes eu quero alcançar e escorrer como saliva de tanta água na boca, quero estar ao alcance, chegar a tempo de pronunciar a palavra no instante exato de ser bem vinda.

Solta feito objetos que não se contentam submersos, como areia da praia que invade o quintal da casa, solta pra sair pela sala embalada pelo som do rádio, solta para perder e para ganhar, solta feito o vestido da moça que o vento levanta, como você em mim transforma tanta graça, como encaixa, como solto em mim faz eu soltar de mim mais à vontade.

Quero soltar as mãos e como num sonho sentir o chão macio me receber, ficar solta como a língua, trocando meus desejos pelos seus, solta, andando de um canto a outro só pra descobrir o que dá mais prazer. Solta pra você ter mais de mim, solta pra ter mais você em mim.

Quero soltar palavras como bolas de sabão, ao vento um sopro no teu ouvido, arrepio. Quero soltar mais de mim só pra ter você me querendo da forma certa, sabendo exatamente onde pisas.

Quero me soltar, cabelos ao vento, pião, bailarina. Quero voar, pássaros em revoada. Quero subir balão mais alto ainda, segura, me segura, quanto mais solta, mais sua.


Rosemeri Sirnes

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010


OUTRO DIA...


Outro dia te conheci, em 2009 fizemos 2 anos. Outro dia. Garanto que você não sabia. Primeiro encontro - como sempre o melhor - eu deitada no seu colo, a primeira vez, e eu nunca me senti tão à vontade, jogando meus anseios todos em você. Eu já podia dizer eu te amo como última oportunidade de dizer, como se dali por diante a mudez me tomasse.

Outro dia colhi suas palavras num e-mail qualquer e a nossa doce imagem numa exposição. Outro dia resgatei e entendi que tamarindo não é só amargo.

Eu podia ficar aqui costurando retalhos, montando um mosaico de fotografias picadas, vivendo de uma amargura de poema, e não sentiria jamais a areia macia me aliviando a caminhada, nem a magia que um céu de nuvens traz numa manhã ensolarada, nem o mar contra a pedra ressoando uma cantiga única de fim de temporada. Seria como negar a troca boa que houve entre nós. Quero te agradecer por cada vírgula que consertastes em meus textos, por cada crítica difícil de engolir, pelos incentivos e aplausos diante da minha humilde e infantil forma.

Outro dia eu lembrei da minha última tentativa, outro dia eu mexi os pauzinhos com tanta sutileza que veio só o que eu desejei, veio essa tranqüilidade de rede serena sem vento, um clima gostoso de veraneio, a minha alma em sossego.

Outro dia eu quis compartilhar contigo e eu não tinha telefone, outro dia quase ali à noitinha eu quis rimar e eu nem precisava de sentido e eu nem precisava de outra vida e eu estava lá.

Outro dia eu decidi gastar dinheiro, pegar a estrada, seguir o conselho de um amigo que disse “você precisa conhecer o mundo” e apostei. Outro dia eu me segurava, me aparava e no dia seguinte eu decidi partir.

Outro dia eu quis que você viesse comigo e depois eu achei que era melhor assim. Outro dia eu quis te contar de artifícios que explodiram dentro de mim, no instante seguinte eu sorri e chorei e achei que fosse loucura e a minha cabeça deu três voltas e eu voltei ao eixo.


Outro dia eu duvidava e nem sei até quando terei certeza, e se o bom da vida é esse mistério eu não estou nem um pouco afim de prever o futuro, deixo tudo ali na mesa do destino.

Outro dia te conheci, no quintal da vida a gente pisou no gramado, a gente deitou no banco da praça, cantou junto e leu poesia, e tinha tanta coisa pra gente fazer junto que nem deu tempo.

Outro dia eu queria te conhecer criança só pra passar mais tempo. Outro dia, meu querido, eu podia dizer eu te amo, mas hoje eu digo a verdade.


Outro dia eu lembrei de você e hoje eu estou aqui. Outro dia, pega por uma música, eu pensei que você podia estar pensando junto e eu me concentrei. Outro dia eu achei que eu não pudesse escrever tanto e olha isso aqui.

Outro dia eu peguei o metrô e me pus no vagão feminino, aos meus ombros duas mulheres difamando alguns homens e eu nunca poderia maldizer.


Outro dia eu lembrei como esse ano passou rápido e da facilidade como as coisas se vão. Outro dia eu lembrei que você é parte da qual não quero me perder. Outro dia pensei que você pode não querer o mesmo e suspeitei.

Outro dia eu lembrei de tanta coisa que já não raciocinava.

E o mais importante, outro dia eu lembrei que a verdade disso tudo é que somos de carne e osso, nossa verdade é a nossa pele e a gente ainda pode se tocar. E por mais duvidosa que seja essa afirmativa: eu sou sua amiga.

Outro dia eu fiz questão de não esquecer que, pelo menos nos meus sonhos, nós juntamos os dedos como quando éramos crianças e fizemos as pazes.

Outro dia a gente se encontrou, eu suponho, mas a gente não se viu, então a gente se distraiu e estávamos um diante do outro como a primeira vez.


Rosemeri Sirnes

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010




BORBOLETAS DAS MINHAS FLORES


Minha família, meus queridos, meus amores, por que todo agradecimento costuma ser feito ao final?

Depois de uma trajetória em estrada de chão batido, asfalto liso, buracos pelo caminho; chegamos para começarmos outra vez, ainda bem que de mãos dadas. Com vocês sou mais forte e acredito.

É muito difícil falar assim, para muitos, sem que caiba a cada um pedaço que hoje brilha em mim.

Família Sirnes, obrigada por tudo, ora essa! Sou a parte que abaixa e suspende, vocês são a força que sempre me mantém de pé.

Bárbara, obrigada pela vida que compartilha comigo, pelos meus afilhados lindos que são também minhas fontes de energia, pelo tapete que você estende para nossas conversas de horas. Você é a melhor mãe que as crianças poderiam escolher. Sei bem como você se desdobra para dar conta de tudo, enquanto fala comigo ao telefone, prepara a mamadeira, dá banho no Gui, dá papá pra Cissa. Vocês são minha família!

Naty, obrigada pelo ouvido, pelo ombro, pela companhia, pelo amor, por essa conexão que a gente estabelece sem que precise linha. Obrigada por ser minha irmã.

Suzana, sei bem das minhas faltas, do meu afastamento, mas você(e essa sua família, que é minha também) estão na minha vida pra sempre. Obrigada irmã por nos entendermos a qualquer tempo e hora, obrigada pelo sorriso e a gargalhada que faz a vida tomar outro sentido.

Trupe da Cultura, obrigada por me ensinarem a paciência, e principalmente por terem paciência comigo, vocês terão as portas do céu abertas só por isso. Com vocês passo meus dias coloridos e nublados , com vocês dou as gargalhadas mais abertas, com vocês aprendo todos os anos.

Rodrigo, obrigada por ser quem tu és, por manter-se inteiro, por manter-se como te enxergo agora, por manter a minha admiração por você. Obrigada pela nossa parceria. Embora estejamos afastados, você sempre estará aqui. E se é isso que se leva da vida, então eu estou bem servida. O melhor pra ti!

Deus, obrigada por me fazer sentir, obrigada pelas pérolas que colocas em meu caminho, por tomar conta do meu destino, por essa força que eu mesma duvido.

Todos no meu percurso, pessoas que vão e voltam, pessoas que me levam em passeio leve como pluma, pessoas que pulam e vibram comigo, que dançam a qualquer tempo, que olham nos olhos, que me fazem tocar a terra agradecida por dali ainda brotar uma planta chamada felicidade.


Feliz Ano Novo!!!

Rosemeri Sirnes