Arrasto seu corpo cuidadosamente para que nenhum imprevisto pule de lá, vasculho cadernos, papéis soltos, frases que não terminei, quis ir até o fundo da gaveta; tudo isso, sem permitir brechas de luz, tateando como leitura em braile; de repente meus dedos vieram parar aqui.
domingo, 30 de novembro de 2008
Estou com fome e uma preguiça faminta me consome, um cansaço de fazer quase nada e dor na batata das pernas causada por sucessivas subidas de escada, o espelho anda atuando como meu inimigo, a vaidade em baixa, expondo minhas unhas e cutículas. Estou com sono e é bem provável que não inicie hoje a leitura do Noll. Hoje parece domingo, e é. O domingo pensa que me engana, com essas historinhas pra boi dormir, pensa que me distrai; entendo logo suas armações quando o meu bem diz que amanhã é dia de branco.
Amanhã, tenho certeza, o dia vai me descascar doce e vai me sugar inteira, não só o dia como a semana que já bate os pés no chão como mãe, pronta para me dar uma coça. Partirei agradecida pelo dia de seguinte, aguardando sábado, meu namorado, sei que ele estará pronto com beijo nos lábios, e ainda assim, tardará. Sexta sogra dirá para não me preocupar; amanhã é logo ali, dirá que ele me ama e descansará minhas preocupações antecipadas. Estarei eu, disposta outra vez para novos domingos.
sábado, 29 de novembro de 2008
LÁPIS DE COR
É daquele sorriso de bom dia que eu sinto falta, todas as manhãs aquele rosto de covinha me desejando um dia inteiro de previsões a favor, sempre a mesma saudação diferente. Ele quebrava o gelo da manhã, as minhas pausas de uma hora, o meu café silencioso, ele mordia as bolachas e sorria, propositalmente e sem querer ele bagunçava o meu sossego. O meu sossego mau humor que ele interrompia cheio de graça me chamando pra brincar.
Desde que parti nessa viagem sem fim pela vida adulta, não tinha mais paciência para desenhos animados, para as risadas do rabugento, as brigas de Tom e Jerry, as corridas de Penélope. Ele me fez sentar e eu calei todas as reclamações assistindo pica-pau, seu dvd de 50 melhores. Ele me enchia de graça na altura de seus 6 anos, dizendo que metade dele queria passear comigo e a outra queria brincar com os amigos.
Ele pintava os meus dias com lápis de cor e giz de cera, meus cabelos de azul e nunca esquecia dos óculos, ele sabia exatamente as minhas deficiências. Como pode a inocência ser capaz de tantas coisas, saber a fórmula exata sem dosar?
Menino Léo, meu primo mais novo, a saudade que tenho de Manaus é saudade de você.
Rosemeri Sirnes
sexta-feira, 28 de novembro de 2008
DA SÉRIE : As coisas que deixei de dizer
Bem,
Tá tudo ajeitado, minhas blusas de um lado, suas camisetas do outro e espaço de sobra para nós dois.
Até a noite
Edu,
Meu recado tem a marca do beijo que eu deixei para não te acordar.
Ju,
Bandeira branca amor.
Te amo
Suas garras invisíveis. Essa é a única explicação para que me mantenhas aqui tão seu.
Mulher,
Que bolo de fubá é esse?! Tá de ganhar teus beijos.
Beijo
Amor,
Um bom dia da noite de ontem.
Rô,
Obrigada!
Junior,
Desculpa!
quinta-feira, 27 de novembro de 2008
sábado, 22 de novembro de 2008
Ao som de Chico
Rosemeri Sirnes
quinta-feira, 20 de novembro de 2008
Nada sairá de importante neste dia, nem a pintura molda as palavras que saem sem ânimo. Não haverá uma só frase de efeito que diga que valeu a pena, que nada foi em vão. Escrevo hoje para preencher espaço em branco, mais por obrigação do que inspiração. Tento fazer com que uma palavra puxe a outra, mas meu vocabulário anda escasso. Deixo espaço em branco para você preencher minhas lacunas, ser a continuação das minhas reticências, ditar o tema, criar o título. Deixo uma fresta, deixo a porta entreaberta, deixo as chaves escondidas, você sabe onde. Ainda há espaço em mim, e a pausa do tempo a seu favor.
Rose
Foto: Miguel Afonso
domingo, 16 de novembro de 2008
Farto e faminto
O veludo pêssego é o que me aproxima de você. Lembro que todas as manhãs descascava e punha pedaços suficientes para alcançar-te a boca. Sentia como se do meu amor você provasse e com isso viesse acolher-me em seus braços com a mesma fome que tinhas pela fruta preferida.
Pela manhã, durante seu quinto sono, silenciava a minha presença e saía na ponta dos pés; colhia na banca do feirante a primeira safra do teu alimento com minúcia , com exigência. Esquecia-me. Forrava a mesa e servia o teu apetite. Alimentava-me de você. Quando decidistes deixar a mesa sem pedir licença, fiquei na mais completa miséria.
Rosemeri Sirnes
Foto: Nuno Sacramento
sábado, 15 de novembro de 2008
Surpreende-me esse ponto e cruz, esse alinhamento, essa habilidade com as mãos. Gostaria de tecer poemas, prepará-los para o vestir. Não tenho nem nunca tive habilidade com as mãos. Minha avó bem dizia de moças prendadas, mas eu nunca quis ouvir. Tenho palavras e não sei como cruzá-las em nó perfeito, sei sim, entrelaçá-las de modo simples, por isso preparo bordado em pano de prato. Faço monogramas também; é o que eu faço de melhor, cruzar minha letra na sua. Essa habilidade vovó não precisou me ensinar, sou autodidacta.
Rosemeri Sirnes
Fotografia: Ubiratan Maciel de Oliveira Nunes
sexta-feira, 14 de novembro de 2008
E eu tento com a minha poesia dar-lhe o dobro em troca
Mas sei que não entendes quando digo do amor de bumerangue
Sei que descobres o bolo sem cobertura achando que é esse o confeito
Você me ama sem estardalhaço
Sem que eu precise assinar o roteiro
E colocar seu nome nos créditos
Nos amamos onde a onda faz espuma
Depois que a bravia já tocou a pedra
Quando a macia rola pela areia
quinta-feira, 13 de novembro de 2008
SAINDO DA SOMBRA
Nenhum rei manda no meu pedaço
Serei sempre autônoma
Dona de minha própria dor e alegria
Mestre sábia dos meus questionamentos
Detentora das dúvidas
Não haverá quem me ponha nas mãos
Pousada
Pedindo satisfações
Não deitarei no divã alheio
Nem pedirei conselhos a quem vive o mesmo erro
Serei responsável por todas as catástrofes e tragédias
Dentro do meu território
Sou eu mesma quem planta misérias
E colhe farturas
Sou eu quem passa na rua e procura saber
Sou quem engana a mim
Quem trapaceia e entrega os pontos
Quem confunde e conclui
A segunda chance e a porta de entrada
Sou quem entorpece e vicia
Ninguém subirá em meu topo cantando vitória
Sou eu quem decide o que fica
O que tarda e o que amanhece
E por não me isentar
Pago todos os impostos
Rosemeri Sirnes
terça-feira, 11 de novembro de 2008
Hoje eu lembrei que tenho que ir à livraria trocar o livro que veio com a página solta. Não posso ser tão flexível, tão subserviente.
Hoje fiz limpeza no quarto, recolhi as roupas, lavei-as, organizei os livros na cesta, por falta de espaço na estante. Me orgulho dessa habilidade de pôr tudo em seu devido lugar.
Hoje você se foi. Posso colocar gelo no uísque, fechar a porta e escutar música alta no meio da tarde.
Hoje eu lembrei que preciso fazer uma compilação dos meus gostos. Há quem confie.
Preciso tirar o pó das malas e planejar minha próxima viagem.
Preciso colocar na ponta do lápis o que é realmente importante.
Preciso ter uma direção e comprar o vestido da festa.
Preciso de carona, enquanto não sai a carteira de motorista.
Preciso devolver livros e dvds. Não plantar desconfiança na cabeça alheia.
Preciso lembrar de não esquecer compromissos que digo que sim e sei não.
Preciso esquecer para não estimular ansiedade.
Preciso calar para não dizer o que nem eu gostaria de ouvir.
Preciso ser menos , no momento em que me agiganto orgulhosa por não mais sentir.
Preciso tirar o seu travesseiro da cama, acabar com a obsessão pelo cheiro.
Preciso entender que não tem volta.
Preciso recolher as roupas do varal, o céu diz lá de cima que vai chover.
Preciso me acostumar a comer em prato raso.
Preciso parar o rádio em uma estação. Preciso ser mais estável.
Preciso ajeitar as coisas do meu jeito, ser auto-confiante.
Preciso abrir os olhos para o que está adiante.
Preciso seguir os conselhos da mãe.
Entender de uma vez por todas a frase “ se um homem trata mal a mãe dele, tratará você tão mal ou pior”
Preciso descansar as idéias.
Preciso escrever para lembrar de todas elas.
Rosemeri Sirnes
segunda-feira, 10 de novembro de 2008
Ultimamente choro por qualquer motivo, se a maçã está magoada, se o ovo escapuliu e espatifou-se no chão, se alguém me diz não; acho que grávida tem dessas coisas...se bem que desde que assumi esse estado, os carinhos são exacerbados, pessoas estranhas falam com a minha barriga e estimam minha gravidez como se fossem da família; só ouço a palavra “não” quando meu marido diz: "não, pode deixar comigo. Hoje eu cozinho". Tenho que confessar, me aproveito da situação.
Minha barriga assim como meus pesinhos a mais começam a desfilar.
Eu que até então acreditava que só era possível dormir de bruços, constatei que a situação faz a posição, e hoje dou razão à minha avó quando dizia que tudo em mim é psicológico.
O sono me bate quando encosto a cabeça, vou deitar. Meu bebê até há pouco soluçava, mas acho que caiu no sono, estou indo pra cama também.
Rosemeri Sirnes
quinta-feira, 6 de novembro de 2008
Entre as ruas do Flamengo e a banca de jornal
O homem merecia um poema. Sei que ele deve ter, como todos nós, seus muitos defeitos e pecados para pagar até o fim; mas seus olhos verdes mereciam uma jóia, seu corpo merecia o meu enlaço, aquela cicatriz quase imperceptível no canto do olho merecia a minha atenção, e eu estava lá abancada na primeira fila da sala de cinema, já com dor no pescoço e sortuda.
Era o típico garoto Zona Sul fora de alcance. Reparei a camiseta amarrotada de golas esgaçadas, o seu desleixo elegante, a calça de marca surrada que lhe atribuía um charme a mais.
Ele passa sem perceber que a rua é a sua passarela.
Esse homem, por quem não sou apaixonada, passeia nas ruas do Flamengo indo a qualquer lugar, menos para minha casa. Adoraria saber seu paradeiro, seus caminhos, ruas, os lugares que me levam a ele; não desejo um encontro, quero apreciá-lo à distância, não tão longe que me impeça de sentir o cheiro de perfume importado. Esse homem dissasociado do meu mundo, esse homem que eu julgo inacessível, chamou meus olhos em sua direção; caminhamos juntos até o meu destino, a partir de então outros olhos o seguiram.
Esse homem da última vez, esteve de passagem em mim.O homem de hoje de manhã, acordou cedo a minha percepção; lembrou-me de olhar para descobrir, observar com calma, olhar primeiro as costas, o avesso, o outro lado, só então caminhar mais perto e dizer coisas tolas sem risco.
O homem da rua, sem nome, é o meu instinto aguçado, é a minha espera pelo sabor apurado, minha espera para não queimar a língua.
Nenhum Roberto, Marcelo ou Fernando, ele é o rapaz que eu vi na banca de costas e tudo o que vem depois dele é superflúo.
Rosemeri Sirnes
Foto: Inês Sacadura
segunda-feira, 3 de novembro de 2008
DOMINGO NA BIBLIOTECA
Sorrio querendo esconder os dentes. Os reprimo sozinha na mesa da biblioteca enquanto o silêncio mordisca minha orelha.
Leio livros como quem se apaixona, como quem encontra a melhor maneira de não fazer doer, como quem almeja ser uma mulher mansa, como quem busca uma fórmula, uma resposta para várias interrogações. Leio e sinto notas musicais tocarem meu rosto, a sedução das palavras soprando versos... estou mesmo apaixonada. Pouso os olhos no homem da mesa em frente, um olhar satisfeito, um olhar de gozo. Ele percebe que penetro em seus olhos as palavras que meus olhos tocam e que de passagem penetra meu corpo.
No instante seguinte penso que poderia conversar contigo por telepatia nessas horas de sala fechada e silêncio absoluto. Nessa tarde de domingo, certamente, se não estivesse aqui, estaria dormindo. Nenhuma idéia seria fecunda.
Ao contrário disso, tenho tuas palavras, teus acenos, uma parecença que me faz acreditar que seríamos amigos ou um amor escondido, um amor não-correspondido, um amor disfarçado como o que tenho por Fabrício.
Leio seus livros sorrindo e querendo disfarçar, vejo alguns olhares de esquina em minha direção e finjo um bocejo, estou sozinha e temo a suspeita de desvario; leio como se passasse por entre as flores no dia de Finados com o orgulho de não precisar velar nenhum morto.
Vejo tantos homens a minha volta e me pergunto “por que há tantos homens na biblioteca num domingo?”, sérios homens, numa concentração que somente o salto da mulher desvia. Percebo homens com seus "notebooks", cabeças enterradas nos livros; os leio sem cerimônia, sua solidão, a paixão pela Filosofia, a monografia de fim de curso, a resenha que será entregue na segunda-feira.
Distraio, mas leio palavras inertes, leio palavras de pernas e braços, leio a palavra que a gente constrói a cada passo, a cada movimento involuntário.
As palavras que saltam aos olhos dizem que o poema sou eu. A mulher que reclama sou eu, que pede menos sinceridade, que oferece estadia sem se preocupar com o fim da temporada. Sou a mulher que não reclama uma vida inteira, sou a mulher que você narra sem saber; metade dessas, sou eu.