segunda-feira, 16 de agosto de 2010



PACTO ENTRE OS MUNDOS

Foto: Marco Antonio

Deus permita que um dia eu entenda esse mal estar que em mim se dá de vez em quando, uma vontade de não ir, uma aversão a certos tipos, um ciúme silencioso que ri entre os dentes, uma loucura que se cria e se cura.

Deus permita que eu diga um dia “eu já fui assim” com total distanciamento.

Deus permita que eu queira do início ao fim e não enjoe quando tudo estiver satisfeito. Deus me dê permanência.

Deus queira que ninguém me exija o amor, para que eu não tenha que inventar desculpas pra ser educada. Deus queira que eu seja eu na maior parte do tempo.

Deus queira que meu caminho seja regado pelas flores mais gentis.

Deus queira que as pessoas entendam o meu jeito, da parte mais sutil ao momento do grito.

Deus queira que eu tenha momentos prósperos, dias nublados e companhia.

Deus queira que a minha alma continue querendo mais de mim.

Deus queira que eu faça sentido, que não falhe como meus conselhos, esses que dedico, mas não sigo.

Deus queira que eu nunca encontre o fim, pra não ter que chegar.

Deus queira que o dia amanheça sempre mais aceso, pra que você tenha sempre um pé de esperança enquanto o sol radiante e o céu azul, pra planejar teu dia seguinte: o passeio com as crianças, a ida à praia, um encontro com os amigos. Parece que é desse jeito que se sobrevive aos dias.

Deus permita que eu sempre encontre a palavra que vem depois dessa, o instante que antecede o ponto final, e faça isso com graça, com olhos vidrados celebrando o quanto eu fui feliz.


Rosemeri Sirnes




quarta-feira, 11 de agosto de 2010


A FOME E A VONTADE DE COMER

Ao amigo Fuca


Eu queria escrever um bocado pra passar no pão, pra um pouco mais de recheio, pra encher boca vazia de desejo, pra matar a vontade que ele tem de me ter descarada, dizendo sempre a verdade. Não quero mais me esconder nas gavetas, em papéis onde preservo o que não gosto começo, meio e fim; nem me proteger em tampas de caneta, tampouco deixar a borracha me subtrair.

Há vezes em que quero ficar quieta e as coisas em mim ameaçam nunca mais parar, como agora; quero contar pra todo mundo que os meus segredos estão todos aqui. Nunca fui dessas mulheres de homens debruçados nos ombros procurando algum lugar ao sol, sempre fui descoberta, sempre fui toda uma luz só calor.

Outro dia Adriana me contou da exigência que ele faz às minhas palavras, à minha conversa que ele precisa respirar. Se eu falasse a qualquer pessoa seria incompreensível, mas ele entende a minha alma ainda que não entenda uma palavra sequer, ainda que não saiba o que eu quero dizer e até ache confuso esse jeito que eu tenho de ser tinta no papel, de me jogar na palavra como se fosse o próprio sentido.

Ele sabe desse fraco de me emocionar diante da chuva, de querer ouvir a música mais melancólica pra doer de verdade e ter espaço de sobra pra me sentir feliz completamente. Quase assim, ele confessa o choro sem vergonha diante da coisa mais insignificante; confessamos um ao outro porque não confiamos em alguém sem pecados e um lugar que não permite olharmos nos olhos.

Eu queria escrever uma coisa bonita, laço de fita enfeitando o cabelo das meninas, vaidosas todas elas, buscando um gracejo dos meninos; queria ser feito boca suja dizendo eu te amo, sem jeito, nem cerimônia; queria escrever porque tenho pouco tempo, porque não tenho nada seguro, porque não posso deixar de dizer antes de dormir.


Rosemeri Sirnes