sábado, 23 de janeiro de 2010


Liberdade pra nós dois


Solta feito papel que escapole da mesa pra debaixo da cama, folha que cai no outono, tapete pelo chão, criança no balanço da praça, impulso que leva e trás.

Estou entre as árvores, em frente a um lago repleto de patos, crianças correm numa liberdade cercada de grades, estou sentada, repouso a cabeça no ombro do homem, ele pousa a mão nos meus cabelos como se quisesse fazer de mim o seu ninho; eu quero dizer, mas me impede receios de uma ousadia que outrora me tomava, de dizer as coisas que não param em mim; bem me disse outro dia uma amiga, sobre as coisas que assustam pássaros desavisados que não esperam pedra nos galhos, nem estilingues, nem mesmo um inimigo em sua direção. É, dizer pode parecer pedra, dizer pode não querer parar na garganta e ferir como bala de revolver, dizer pode ser tão sutil e libertador pra quem sopra a palavra e pode chegar vendaval a quem recebe.

Fecha-se a mão, o coração e a boca, melhor amar devagar, ele diz, vamos devagar, naturalmente, sem pressa, sem expectativa, tudo a mesma coisa e variamos substantivos. Quero cair, às vezes eu quero ser pólen e pétala, quero derramar, às vezes eu quero alcançar e escorrer como saliva de tanta água na boca, quero estar ao alcance, chegar a tempo de pronunciar a palavra no instante exato de ser bem vinda.

Solta feito objetos que não se contentam submersos, como areia da praia que invade o quintal da casa, solta pra sair pela sala embalada pelo som do rádio, solta para perder e para ganhar, solta feito o vestido da moça que o vento levanta, como você em mim transforma tanta graça, como encaixa, como solto em mim faz eu soltar de mim mais à vontade.

Quero soltar as mãos e como num sonho sentir o chão macio me receber, ficar solta como a língua, trocando meus desejos pelos seus, solta, andando de um canto a outro só pra descobrir o que dá mais prazer. Solta pra você ter mais de mim, solta pra ter mais você em mim.

Quero soltar palavras como bolas de sabão, ao vento um sopro no teu ouvido, arrepio. Quero soltar mais de mim só pra ter você me querendo da forma certa, sabendo exatamente onde pisas.

Quero me soltar, cabelos ao vento, pião, bailarina. Quero voar, pássaros em revoada. Quero subir balão mais alto ainda, segura, me segura, quanto mais solta, mais sua.


Rosemeri Sirnes

2 comentários:

Dauri Batisti disse...

LInda crônica, mesmo. O primeiro parágrafo é maravilhoso.

Beijo.

Natasha disse...

Texto maravilhoso. Cada linha repleta de emoção e sentimento. Me fez refletir como nunca.
Luz!