quarta-feira, 11 de agosto de 2010


A FOME E A VONTADE DE COMER

Ao amigo Fuca


Eu queria escrever um bocado pra passar no pão, pra um pouco mais de recheio, pra encher boca vazia de desejo, pra matar a vontade que ele tem de me ter descarada, dizendo sempre a verdade. Não quero mais me esconder nas gavetas, em papéis onde preservo o que não gosto começo, meio e fim; nem me proteger em tampas de caneta, tampouco deixar a borracha me subtrair.

Há vezes em que quero ficar quieta e as coisas em mim ameaçam nunca mais parar, como agora; quero contar pra todo mundo que os meus segredos estão todos aqui. Nunca fui dessas mulheres de homens debruçados nos ombros procurando algum lugar ao sol, sempre fui descoberta, sempre fui toda uma luz só calor.

Outro dia Adriana me contou da exigência que ele faz às minhas palavras, à minha conversa que ele precisa respirar. Se eu falasse a qualquer pessoa seria incompreensível, mas ele entende a minha alma ainda que não entenda uma palavra sequer, ainda que não saiba o que eu quero dizer e até ache confuso esse jeito que eu tenho de ser tinta no papel, de me jogar na palavra como se fosse o próprio sentido.

Ele sabe desse fraco de me emocionar diante da chuva, de querer ouvir a música mais melancólica pra doer de verdade e ter espaço de sobra pra me sentir feliz completamente. Quase assim, ele confessa o choro sem vergonha diante da coisa mais insignificante; confessamos um ao outro porque não confiamos em alguém sem pecados e um lugar que não permite olharmos nos olhos.

Eu queria escrever uma coisa bonita, laço de fita enfeitando o cabelo das meninas, vaidosas todas elas, buscando um gracejo dos meninos; queria ser feito boca suja dizendo eu te amo, sem jeito, nem cerimônia; queria escrever porque tenho pouco tempo, porque não tenho nada seguro, porque não posso deixar de dizer antes de dormir.


Rosemeri Sirnes